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Art. 13. Fica revogada a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005" (grifo meu). Este foi um dos elementos que vimos ontem na divulgação da Medida Provisória 746 que traz alterações importantes no ensino no Brasil (ver
página 1 e
página 2 da MP publicada hoje no D.O.U.).
Dessa forma, a lei 11.161 foi extinta pela caneta do novo presidente do Brasil, via medida provisória (MP), e tem valor imediato para alterar a LDB e outros documentos importantes da educação nacional*, mas, o que pode significar essa mudança na prática para os professores de espanhol?
Vamos por partes.
Segundo a mesma MP, agora será obrigatória a língua inglesa no ensino fundamental e médio, como podemos ver a continuação na reformulação por dita MP dos artigos 26 e 36 da LDB:
Art. 26 - § 5º No currículo do ensino fundamental, será ofertada a língua inglesa a partir do sexto ano.
Art. 36 - § 6º Os currículos de ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o estudo da língua inglesa e poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino.
Um fato preocupante, no meu entender, é que se compararmos a nova redação com o texto do artigo 36 original (da LDB de 1996), poderemos ver claramente que foi aberta uma brecha para que tirem definitivamente a segunda língua estrangeira da grade curricular. Basta comparar os dois parágrafos, pois não é a mesma coisa dizer “será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituição”, que indica obrigatoriedade na redação antiga, que dizer na nova redação “poderão ofertar outras línguas estrangeiras, em caráter optativo...” (os grifos são meus). Sinceramente, essa possibilidade (ou talvez não possibilidade) me deixa muito preocupado, pois a situação económica do país pode ser utilizada para justificar a impossibilidade de oferecimento da segunda língua, deixando apenas, na prática, o inglês nas escolas.
Agora bem. Algum tempo atrás alguns indícios mostravam que a opinião e desejo dos secretários e conselheiros de educação do Consed e CNE parecia ser a de priorizar (apenas?) o ensino de inglês nas escolas (ver
aqui).
Já entendíamos que poderia acontecer em qualquer momento, mas como professores de espanhol voltemos para nosso interesse e grande pergunta.
O que isso pode representar para o futuro do espanhol nas escolas brasileiras e para nossa profissão?
Posso estar equivocado, mas, diretamente, a revogação neste momento da lei
11.161 (uma lei "estranha" que exigia a
oferta obrigatória de espanhol e não seu
ensino obrigatório), não representou grandes mudanças de base na situação atual, mas de fato sim pode trazer esta revogação, indiretamente, várias consequências.
Temos que reconhecer que a situação do espanhol nunca foi muito boa na prática real. Nos últimos anos os gestores de educação municipais quase extinguiram o ensino de espanhol no segundo segmento do ensino fundamental (sexto a nono ano escolar). Por outro lado, a situação no ensino médio é bastante variável, mas salvo casos pontuais, o trabalho com a língua espanhola também deixa bastante a desejar. Não por culpa dos professores, mas sim por causa “do sistema” que não contrata professores suficientes, não investe em formação e não estimula um ensino regular da língua nos três anos do ensino médio. Vejam as referências que deixei no final deste post que discutem e mostram uma parte dessa situação.
Por uma série de fatores objetivos e subjetivos, as línguas estrangeiras (adicionais) nunca foram bem consideradas na escola pública, nem o inglês e muito menos o espanhol. As carências no ensino de línguas na educação básica ficaram evidenciadas com a chegada do Programa Ciência sem Fronteiras e a necessidade urgente de tentar encontrar vias para potenciar o ensino de línguas e a proficiência mínima necessária dos bolsistas desse programa que em grande número viajaram para o exterior. Alguns projetos estaduais e nacionais foram estabelecidos e brindaram seus resultados para contornar a situação, mas não tiveram a abrangência e profundidade para mudar o quadro nacional calamitoso de desrespeito com as línguas estrangeiras na educação básica.
Na situação existente em que muitos perguntam: inglês ou espanhol, inglês + espanhol ou apenas inglês? não podemos ignorar que muitos alunos, diante das dificuldades para aprender uma língua estrangeira (adicional) na escola optam pelo espanhol na prova do ENEM, como podemos ver no infográfico a continuação.
No site do INEP não existem ainda dados disponíveis do ENEM de 2015, mas a situação não deve ser muito diferente da que aparece neste gráfico. Em síntese, a procura pela língua espanhola no ENEM é maior que a do inglês. Dessa forma, seria inacreditável que os gestores de educação tenham intenção de minimizar, ainda mais, a presença da língua espanhola nas escolas públicas brasileiras.
Em outras palavras, o inglês é muito importante, sem dúvidas, mas o espanhol também é de interesse e de necessidade para os alunos brasileiros. A política, por isso, não deveria ser apenas de priorizar uma língua estrangeira eliminando outras. Deveria ser a de valorizar as línguas estrangeiras (adicionais) criando as condições necessárias para estimular seu estudo e domínio funcional.
Parece que virão outras mudanças importantes na legislação educacional, com possível incidência indireta, como já foi dito acima, sobre a situação do espanhol. Uma delas é o incremento gradual da carga horária total no Ensino Médio e a presença de itinerários formativos específicos, com um deles sendo voltado para a área de linguagens. Isto nos motiva para pensar e perguntar se nas escolas, principalmente as que cheguem a oferecer o ensino em periodo integral, não serão abertas novas possibilidades para uma presença maior da(s) língua(s) estrangeira(s)?
Nesse aspecto, vale lembrar que a lei 11.161 restringia o ensino da língua espanhola na rede pública para apenas o horário regular, mas para os alunos da rede particular permitia várias possibilidades para seu estudo.
São sobradamente conhecidas as vantagens que têm para os alunos o domínio de uma ou mais línguas diferentes da materna e, no caso do conhecimento de espanhol, a língua de nossos vizinhos, também se favorece a integração regional e serve até para ter uma consciência maior da própria língua materna, o português.
Outros elementos que aparecem na medida provisória e nas apresentações realizadas pelo MEC sobre o lançamento da MP, também poderiam incidir na maior ou menor presença da nossa língua e de outras línguas estrangeiras nas escolas e também deixam dúvidas ou incertezas como o que pode acontecer, por exemplo, com os professores, os materiais utilizados (o PNLD), a prova de espanhol no ENEM, e outros assuntos, mas devemos aguardar e seguir com atenção todo este processo. Por outro lado, o conteúdo da Base Curricular Comum Nacional (BNCC), em preparação, e seu papel no ensino das línguas estrangeiras (adicionais), também deve ser de nosso interesse e atenção neste novo panorama.
Comentários adicionais:
- Para ilustrar um pouco mais este assunto, sugiro ler a
análise geral feita pela CNTE sobre esta MP.
- No portal
E-cidadania do Senado Federal existe uma
consulta pública aberta sobre esta Medida Provisória 746/2016, na qual você pode votar a favor ou contra até o final de sua tramitação no Congresso que pode ser até máximo 120 dias, mas pode acontecer antes. Visite o portal e-Cidadania e vote sobre este tema
aqui.
- Julgo conveniente reproduzir aqui o fragmento final do excelente texto de Souza (2017) "La reforma de la enseñanza media y la muerte de la pluralidad lingüística en la educación brasileña."
Es innegable ver que Brasil va en el sentido opuesto a lo que sería una educación basada en paradigmas multiculturales. Los procesos de integración, pese a que se basen en objetivos económicos, conllevan a una necesidad mayor de que las personas se comuniquen y eso requiere que la ciudadanía también esté dispuesta a abrir sus horizontes. En ese contexto, la educación, a través de las instituciones de enseñanza, debería cumplir un importante rol y la enseñanza de lenguas podría indicar nuevos caminos.
La política lingüística actual no favorece cambios. La enseñanza del español está en extinción, hecho comprobado por el gran número de profesores que han perdido sus trabajos este año y el número de colegios que ya han retirado del currículo el Español. La tarea de los cursos de formación de profesores de lenguas extranjeras debería ser la promoción de la resistencia, pues solamente con la integración de los profesores de todas las lenguas es posible recuperar la poca diversidad conquistada y la mirada crítica en las clases.
Sólo así se podrá educar ciudadanos críticos preparados para interactuar en un mundo multicultural.
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* Com base nesta MP 746, a lei 13.415 mudou partes da LDB. Veja a lei 13.415, de 16 de fevereiro de 2017
aqui.
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ABIO, G. Una opinión personal sobre los cambios experimentados en la función del profesor desde la “Ley del español” de 2005. Blog de Gonzalo Abio- ELE, 18 de abril de 2013.
Inglês ou espanhol no ENEM? Saiba que língua estrangeira escolher. Blog do MISSU, s/d.
http://blog.missaouniversitario.com.br/ingles-ou-espanhol-no-enem-saiba-que-lingua-escolher/